sábado, 13 de outubro de 2012

Um dia



Nós temos uma relação bem estável. Ele me liga todos os dias e gastamos horas de nossas madrugadas no telefone conversando sobre nossa poesia barata, sobre músicas que ouvimos naquele dia, sobre as pessoas engraçadas que encontramos no passar do dia. Brigamos por discordar sobre que tinta usaremos para pintar nosso apartamento, mas sempre concordamos que se tivermos que ficar sem sofá ou mesa de jantar para ter um piano na sala, não há problema nenhum, sentaremos no tapete. Tomamos banho de chuva, ou de Sol, não importa, mas todos os domingos estamos no parque ou procurando algum jardim que nos inspire a compor uma canção de tolos apaixonados. Às terças vamos ao concerto e depois vamos a um café e sempre acabamos falando sobre a decadência da política ou da cultura ou de qualquer coisa que nos deixe revoltados o bastante para fazer... nada! E chegamos à conclusão de que somos tão cheios de ideais quanto somos de preguiça. Depois voltamos a pé para casa ouvindo Jimi Hendrix e nos apaixonamos mais e mais um pelo outro. Às vezes andamos de mãos dadas, às vezes não. Ele sabe que se eu não tiver mãos para gesticular quando falo, fico muda. Então ele não me amordaça. Há dias em que nos beijamos com uma paixão sem igual, há outros em que apenas nos sentamos para um cafuné e uma conversa com cara de final de tarde, como se fôssemos velhos casados há 60 anos sem força para fazer amor, mas que ainda se amam com a mesma intensidade de sempre e que ainda se mantém apaixonados, mas não mais pelo corpo e sim pelas palavras, pelo caráter, pela amizade, pelos anos passados, pelos momentos presentes.
O único problema desse nosso relacionamento, é que ele ainda não sabe que fazemos tudo isso. Esse conhecimento fica restrito apenas à minha mente. Mas um dia... um dia saberá.

3 comentários:

Maieh disse...

O mais lindo que eu já pude ler aqui (...) chorei.
=]

Sgari disse...

"e que ainda se mantém apaixonados, mas não mais pelo corpo e sim pelas palavras, pelo caráter, pela amizade, pelos anos passados, pelos momentos presentes."

Maieh disse...

e só o que me fisgou: "Ele sabe que se eu não tiver mãos para gesticular quando falo, fico muda. Então ele não me amordaça."
(...)