terça-feira, 20 de abril de 2010

Uma pausa para sair de dentro de si

São anos de trancafiamento e, agora, começo a sair. É assim quando você percebe que perde muito estando preso dentre de si. Eu não aprendi a amar as pessoas que eu quero bem, não aprendi a amar direito - se é que há mesmo maneira correta para tamanha loucura, porque gostar de uma pessoa a ponto da vida dela ser mais importante que a sua é loucura! Eu só faço isso inconscientemente. Você já reparou em como as pessoas que foram abandonadas têm uma enorme necessidade de controle? Não!? Então nunca foi abandonado. Eu bem sei! Sempre tive medo de me apaixonar porque isso de não dominar os próprios sentimentos é terrível demais. Mas essas coisas a gente não controla. Eu, se pudesse escolher, continuaria trancada dentro de mim e não me entregaria assim para ninguém; mas, como não posso, já me entreguei uma vez. Eu tinha 20 anos. Ele era um cara bem resolvido consigo mesmo, bonito, talentoso e sempre sabia o que dizer para te deixar boba. Nos conhecemos num show de rock e falamos muito sobre o que dominávamos: literatura, música e artes plásticas. Tentamos fazer uma noite parecer anos de íntima amizade. Deu certo, em parte. A noite foi digna de um romance, mas no dia-a-dia era tudo muito intenso e se alternava brutalmente entre um amor calmo e uma louca paixão de tirar o fôlego. Depois de poucos meses juntos a paixão ia se transformando em um amor que crescia de maneira que nos assustou. Ele, filho de uma mãe que fugiu com um amante deixando ele e os dois irmãos menores com o pai doente que logo morreu. Eu, sendo quem sou. Isso não haveria de dar certo! Éramos poetas acostumados à tristeza dos desencontros e, de repente, tudo dava certo demais para ser real. Acabou por um acordo sem explicação, mas rendeu à ele algumas músicas que o levaram à tão sonhada carreira musical.
O que mais acho engraçado é como a vida é repetitiva; e, embora seja apaixonada por ela, me canso muitas vezes dessa estrada de dejavú. Nunca parei para analisar minha vida, talvez não por falta de vontade, mas de memória. Não consigo fazer o filme da minha vida, não vejo como cheguei até aqui. Tenho apenas uns flashbacks de coisas ou muito marcantes ou muito banais. Mas tudo bem porque eu nunca fui muito linear no meu jeito de agir então fazer balançeamentos seria ter que encarar prejuízos.
Hoje eu tentei enfrentar minhas memórias e acabei vivendo uma passagem dos meus 15 anos. Eu estava viajando sozinha de ônibus, 12h de viagem. Passei a noite toda sem dormir, apenas pensando sobre o que eu encontraria naquela mochilada para o litoral e não cheguei a conclusão nenhuma, tudo seria uma surpresa e nada me assustava, estava encantada. Quando estava amanhecendo, pela primeira vez eu vi uma montanha. Isso de morar no planalto é um enorme disperdício! Aquela montanha era como eu. Para enxergar o que havia depois dela, eu teria que subir tudo aquilo e depois teria uma visão privilegiada. Assim é com nós mesmos: para enxergarmos o que há depois dos nossos limites, nós temos que passar por cada um deles, mas aí nós teremos uma real visão sobre quem somos, saberemos então o nosso maior mistério.
Sei lá por que estou te falando isso. Acabei de te contar algumas verdades e algumas mentiras para contar verdades, isso faz com que tudo aqui seja verdade? Pois bem, que seja a minha verdade inventada. Acho que estou dizendo tudo isso para que essa vida interior que a gente vive não se finda em mim. Por que, se eu não colocá-la para fora, para onde ela vai? Hein? Para onde vai a vida interior? Se ela não se perdesse aqui dentro de mim, talvez eu fosse melhor. Porque as pessoas não podem vê-la, mas se pudessem... Por que será que nossa alma é tão desvalorizada? Eu queria ser mais do que eu sou. Muito, muito mais. E tenho me esforçado para isso. Mas é como se ser eu não fosse o bastante, entende? Eu queria ter mais conhecimento artístico, eu queria não ter medo, eu queria ter mais alma para enfrentar dias como esse em que eu me torno tão frágil na saudade do que foi e do que não foi. Sabe, isso de sair de dentro de si é mais difícil do que eu pensava...