sábado, 13 de outubro de 2012

Aprendendo com Kerouac

Posso dividir a minha vida em duas partes. Uma antes da estrada. Outra, depois da primeira vez que coloquei os pés nela e entendi que a vida é muito mais do que eu sempre aprendi na escola da sociedade. Foi estranho ver tudo que eu sempre tive como certo se desfazer por completo dentro da minha mente, mas uma sensação incrível de liberdade nasceu em mim ali, na estrada.
Foi onde tudo começou, minha vida tomando um novo nascimento.
A primeira vez que eu viajei foi num susto. "Preciso viajar, mãe! Eu vou ver o mundo", e fui. Nasci no planalto central, o coração do Brasil. Onde toda a mágica do país acontece, e vocês sabem de que mágica eu falo: a mágica de sumir com o que é público. Sendo assim, nunca tinha visto mais que isso: um horizonte onde uma colina é uma montanha que teve preguiça de crescer e, mesmo assim, é o maior monte que conhecemos. Com direito a todas as metáforas que puderem se encaixar.
Sempre senti uma inquietação em ver o grande, então a primeira vez que eu vi uma montanha foi impactante. Minha vida se repartiu.
Saí de casa aos 14 anos sozinha. Antes disso, minha vida estava toda traçada. Escola, faculdade, idade para casar, quantos filhos teria. Tudo certo e combinado como um tratado que você nem lê, apenas aceita e assina. A estrada desfez esse tratado sem direito de revogação. A estrada é o lugar das idéias, das possibilidades, do impossível e do infinito. Aos 14 anos eu percebi que eu podia ser mais do eu estava sendo, eu podia ser eu mesma, construir meus próprios sonhos, meu próprio eu, me descobrir, descobrir o mundo, viver, sentir, ver. Nada precisa ser ensaiado. Eu descobri que minha vida não precisava ser uma encenação do que foi ensaiado pelos antepassados. Ficou decidido que minha vida seria o esboço e a arte final que eu quisesse desenhar.
Eu estava no ônibus pensando sobre todas essas coisas. Todos dormiam e eu não conseguia parar de olhar pela janela a escuridão que havia lá fora, tudo que se passava e eu nunca tinha visto, tanta coisa que eu não conhecia apenas no meu país, imagina fora dele. Me apaixonei pelo desconhecido, senti uma necessidade enorme de ver com os meus olhos o mundo inteiro.
Fiquei instalada num albergue perto de uma favela onde conheci muita gente sofrida, gente brasileira. O quarto era pequeno e tinha apenas uma cama, uma mesinha de escrever e uma cômoda. O lugar não tinha nada demais, mas a cidade era bem diferente da minha cidade natal. Foram apenas 12 horas de viagem que me transformariam para toda a vida pelas pessoas e suas histórias. Creio que cada lugar tenha seu estereótipo de vida perfeita, aquilo que todos os pais sonham que seus filhos conquistem e todos os filhos sabem que não é aquela vida que querem, mas com o passar do tempo se tornam tão sem força para sonhar e lutar pelos sonhos que acabam cedendo. Não quero estereótipos, quero ser feliz. Percebi com aquelas pessoas que ser feliz é questão de escolha. Escolhi a minha felicidade.
Fiquei 22 dias naquela cidade fazendo trabalho voluntário, entendendo que muitas vezes tudo que as pessoas precisam é serem ouvidas. A humanidade está carente. Mas sempre arranjava um tempo livre para conhecer a cidade. Fui à museus, lugares históricos, parques, conheci muita gente e tudo isso de fato me mudou, me ensinou, me deu vida. Mas o mais incrível foi quando decidimos ir à um monte, um dos pontos turísticos de uma reserva natural. Eram os meus últimos dias de viagem e eu comecei a me perguntar se era hora de voltar mesmo, se realmente deveria voltar. A vontade de prosseguir era tão maior do que a saudade. Era um sentimento inexplicável, uma energia que parecia que não teria fim. Não é fugir do real. É fazer da sua realidade um sonho. Nossa percepção sobre o mundo pode ser tão maior. Há tanto a ser visto, não quero ficar presa à nenhuma raíz. Sentimento nenhum deve ser tão grande à ponto de te prender, pelo contrário, sentimentos devem te fazer voar.
Voltei para casa com todas as minhas certezas modificadas. Hoje, a unica certeza que tenho é de querer continuar sendo modificada pela estrada. Quero ultrapassar os limites da vida, da serenidade mental, da sobriedade. Voltei, mas meu coração continua na estrada. E cada vez que eu volto tenho mais certeza de que quero partir, não por minha realidade aqui ser ruim, mas por minha realidade lá não chegar nem perto de ser real.

Filáucia

O problema que há em nós é exatamente esse: filáucia. Fica o orgulho, se vai o amor. Porque não há como amar sendo orgulhoso. Nesse caso, há de se escolher entre um dos dois. No nosso caso, escolhemos o orgulho. Nos traímos, não um ao outro, mas cada um a si próprio.
Depois da dor, o orgulho cai. Porque essa não é qualquer dor. Essa é a dor da alma, a dor que desconstrói um ser. Perder o amor, é perder a razão de viver. Como se sobrevivi a isso? Não há dialética para isso, nem tente. Foge a qualquer entendimento.
O que vem depois são as tentativas desesperadas de retratar-se. Todas em vão. Não se mergulha duas vezes no mesmo rio. Quando você se vai, sabe que, quando voltar, o mundo será outro. Isso tenho aprendido. E muito mais. O que, de fato, é intrigante: aquele antigo mundo não foge à sua mente. Foge o rosto do ser amado, mas não aquele mundo tão sonhado. Ele permanece sempre eternizado em sua memória. O nome disso: idealização. O remédio para tal doença ainda não foi descoberto. Tudo que se sabe é que ela mata, assim como matou Werther.
Hoje o que nos resta é crer que fizemos a escolha certa. O orgulho foi a melhor escolha, haveria de ser assim até que alguém prove ao contrário. Não há como provar mesmo. A vida só acontece uma vez, é um esboço e, ao mesmo tempo, obra final. Então como saber qual era o caminho certo, se não há como saber como seria o outro caminho? Então este é o certo. Não há porque temer. Mas, lá no fundo, nos dói não ter pego a outra direção. Talvez, se estivéssemos lá - no outro caminho - pensaríamos a mesma coisa: que seria melhor ter pego este. O ser humano nunca está satisfeito. Isso nos move. Insatisfação, falta de comodidade.
Em mim, a comodidade está em ti. Sim, meu ser é cômodo por te amar. Isso me faz ser estática e me traz paz, até certo ponto. Quando atravessa esse ponto, traz dor. E a sua comodidade está em completar as lacunas que eu deixo.
Filáucia, medo e um buraco enorme que você cavou são as três coisas que nos separam. Mas há algo que eu não entendo: o que está entre o que você quer e o que você não quer abrir mão.
Essa eu deixo para você...

Vida-a-vida

E era um corre-corre danado entre uma aula e outra, entre a respiração e a expiração. Que essa rotina é tão doida que entre curtos períodos há de se fazer um mundo inteiro. Precisava almoçar, não comia desde cedo. A opção mais rápida era o tal do McDonald's. Droga! Prometi que não comeria mais naquilo. Foi o jeito. Nem terminei de pagar e minha comida estava lá. Nojo! Sentei para comer e um menino entrou. Vestido numa blusa listrada e uma bermuda um pouco rasgada que parecia bem maior do que deveria ser. Me ofereceu uns panos de pratos. Meu coração apertou, como sempre acontece nessas situações. Um aperto, uma falta de ar, um sentimento de impotência. O que fazer? Mas por que é que não deram um manual para essas situações? Quando me jogaram nesse mundo não me falaram que seria tão ruim sair de casa. Eu havia comprado o almoço no cartão, não tinha absolutamente nada na carteira e nem mais na conta para lhe pagar um lanche. Ele me desejou um bom dia e saiu para a próxima mesa. Antes tivesse praguejado e me amaldiçoado até a última geração, mas ele era educado, mais do que meu irmão caçula. A próxima mesa era de uma família bem vestida e aparentemente educada. Pai, mãe, duas filhas gêmeas que deviam ter uns sete anos. Ora que bonito de se ver! Nunca vi no mundo família tão bem estruturada. Não no meu mundo. O menino falou com o pai que nem o olhou, nem muito menos o deixou terminar o que ia dizer. Apenas balançou a cabeça dizendo "não" olhando para a mesa. A mãe olhava como uma fêmea olha para o macho esperando uma reação que mostre quão dominante ele é. Ela demonstrou sentir um desconforto com a presença do menino e uma certa satisfação pela resposta do marido. O menino saiu. Uma das filhas riu perguntando ao pai o que o menino estava falando. Ele não a olhou, nem a mãe o fez. A deixaram ali alienada a respeito do mundo que a cerca. Amanhã ela pedirá um manual, ou responderá um outro menino na mesma situação sem olhá-lo, como se fosse contagiosa a sua sujeira. Como se ele não fosse digno de respeito. Como se ele tivesse escolhido aquela situação. E assim a vida caminha, de alienados à alienados. Cada um com a sua alienação. Você pode me perguntar qual resposta eu esperava do pai diante a pergunta da filha e se espantar quando eu dizer que seria bom se ele dissesse "Ele pedia por comida". É duro demais para uma criança de sete anos ouvir isso!? Duro é viver num mundo cor de rosa com pôneis dourados, antes aquela menina soubesse desde cedo em que mundo a jogaram. Antes alimentassem nela algum desejo de mudança, algum sentimento de gratidão pela vida que tem. Mas não, é sempre mais cômodo abraçar a ignorância.

Fome

Depois de um final de semana inteiro de desgraça, recuperei a graça de viver. Mais uma vez me encontro nas contradições, mas essa eu explicarei. Depois de uma terrível eleição a qual me provocou dor de cabeça por tanta ansiedade sobre o que aconteceria com o meu país, percebi que já não me importo mais. Não vale a pena! Não se preocupe, não morreu aquela que irá mudar o mundo. Não, não deixei de acreditar nisso. É só que hoje me despertou o pensamento que os loucos que mudam o mundo, o fazem com o seu amor e não com a vontade. Afinal, é como dizem, "de boa intenção o inferno está cheio". O que move o homem não é a ideologia ou a vontade de tal, o que move é a fome. Tenho fome sim, mas não mais de idéias para combater o sistema. Chega de citações literárias de antropólogos nitzschianos, chega de ideais de uma juventude sem voz que gasta sua força em vão. Chega, minha gente! Acabaremos todos velhos sentados numa praça jogando dominó e conversando sobre o passado, procurando lá atrás algo que alimente nossas almas e as mantenham vivas. E quando eu sentir essa fome na alma, quero que ela se lembre dessa dor que tenho aqui no estômago que se corrói numa espécie de inanição por não conseguir saciar sua fome de amor, de vida e de comida. Essas são as fomes que me movem. A graça de viver está no próprio viver, no amar e no comer. Que se coma, nem que tenham apenas a própria excreta. Comam!

Olhos

O reconheci pelos olhos. Do todo, só pude ver os olhos do menino, porque o reflexo do Sol não me deixava ver o resto. Ele estava com os olhos baixos e, quando olhei, levantou e me olhou bem no fundo dos olhos. Nossos olhares se cruzaram permanecendo estáticos e penetrantes. Na hora eu vi que era a alma dele. Eu senti. Eu reconheci. Minhas pernas tremeram de um jeito que não pude conter minha pouca massa quieta. Tudo vibrava, minha visão ficou escura, meu coração quase saiu pela boca. Respirei, vesti minha máscara e fui até lá, até seus olhos familiares. Ah! Aqueles olhos. Eu gosto deles porque são cheios, porque falam sem descanso. São inquietos e tentam me ler, e conseguem. Sim, eles conseguem. Vencem toda barreira que imponho. Eles esquadrinham o meu coração desvendando todos os segredos que nele há. Somos olhares perdidos buscando uma fuga. Somos olhos que cortam, que ferem a memória, a existência, a pessoa. Não podemos nos olhar e, mesmo assim, olhamos. É uma enorme tentação. Necessito saber o que se passa ali dentro, e o olhar é a porta da alma. Entrei, vasculhei e acabei por achar uma parte de mim. Pedaços, pedaços que não mais se encaixam em mim. Perderam a forma inicial, ganharam uma forma que só se encaixam ali. Não me pertenço mais. Então deixei lá mesmo, intocável. E saí com reverencia, pedindo perdão pela invasão. Invadi aqueles olhos foi como invadi um mundo inteiro. Ele é um emaranhado de pessoas, um pedaço de cada pessoa que encontrou nesses loucos caminhos.

Não, eu não sinto

Meu amor,
Que tal você aprender a ler?
Você sabe
Não é nada pessoal
Mas para bom leitor,
uma entrelinha basta

Vamos lá, não é tão difícil...

Se você diz que me ama
E eu digo
"gosto muito de você,"
Há de se entender:
- Não, eu não sinto nada por você!

De quebra, meu amor,
Se eu completo a frase com
"mas amor soa muito forte pra você"
Entenda:
- Vá se f*!

Não, não me peça para sentir
Quando tudo o que você sabe é mentir
E não diga que eu não sou sentimental
Quando você se acostuma a ver o mau
E passa a achar isso normal

Meu amor,
Que tal você aprender a ler?
Vamos lá, não é tão difícil...
É como quando você diz:
- Me dá um beijo?
Querendo dizer "Me deixa pegar no seu seio?"

Se você me pergunta porque eu não te liguei
E eu respondo que estava ocupada lendo Rolling Stones
Estou dizendo:
- Garoto, dá o fora que eu estou vivendo!
De quebra, meu amor,
Entenda que todo o tempo que eu não gasto com você
Estou gastando diminuindo os casos de analfabetismo crônico que consome seres como você.

Um dia



Nós temos uma relação bem estável. Ele me liga todos os dias e gastamos horas de nossas madrugadas no telefone conversando sobre nossa poesia barata, sobre músicas que ouvimos naquele dia, sobre as pessoas engraçadas que encontramos no passar do dia. Brigamos por discordar sobre que tinta usaremos para pintar nosso apartamento, mas sempre concordamos que se tivermos que ficar sem sofá ou mesa de jantar para ter um piano na sala, não há problema nenhum, sentaremos no tapete. Tomamos banho de chuva, ou de Sol, não importa, mas todos os domingos estamos no parque ou procurando algum jardim que nos inspire a compor uma canção de tolos apaixonados. Às terças vamos ao concerto e depois vamos a um café e sempre acabamos falando sobre a decadência da política ou da cultura ou de qualquer coisa que nos deixe revoltados o bastante para fazer... nada! E chegamos à conclusão de que somos tão cheios de ideais quanto somos de preguiça. Depois voltamos a pé para casa ouvindo Jimi Hendrix e nos apaixonamos mais e mais um pelo outro. Às vezes andamos de mãos dadas, às vezes não. Ele sabe que se eu não tiver mãos para gesticular quando falo, fico muda. Então ele não me amordaça. Há dias em que nos beijamos com uma paixão sem igual, há outros em que apenas nos sentamos para um cafuné e uma conversa com cara de final de tarde, como se fôssemos velhos casados há 60 anos sem força para fazer amor, mas que ainda se amam com a mesma intensidade de sempre e que ainda se mantém apaixonados, mas não mais pelo corpo e sim pelas palavras, pelo caráter, pela amizade, pelos anos passados, pelos momentos presentes.
O único problema desse nosso relacionamento, é que ele ainda não sabe que fazemos tudo isso. Esse conhecimento fica restrito apenas à minha mente. Mas um dia... um dia saberá.

No ar


Meu amor,
você tem si mostrado compreensivo com o meu tremer incontrolável ao te ver e, por isso, não quero errar contigo. Queria conseguir dizer o quanto é importante para mim te ter, mas não posso. Simplesmente não consigo. O meu eu que existe contigo é frágil e só encontra abrigo no silêncio do teu sorriso. Queria conseguir ler seus olhos, abrir tua alma e sentir calma quando você me toca. Ah... o suspiro que você me causa, o sorriso que me afaga, o silêncio da tua presença, o desespero da tua ausência. Permita-me te levar para fazer correr o rio de sentimentos e leve desaguar no mar dos nossos corações. Eu quero desfrutar do teu doce olhar, conhecer os seus segredos e saber do que são feitos os seus medos. Quero explorar teu universo, fazer de ti uma canção e me reduzir a um verso que caiba no teu coração. Me leva contigo! Quero fazer de ti abrigo. Que tu sejas meu melhor amigo, minha certeza, minha poesia. Que eu carregue em mim a tua beleza, a tua alegria despida de qualquer fantasia. Que sejas verdadeiro e eterno. Que sejas o único a quem dedico minha prosa, a quem eu digo ser a rosa que germinou na terra seca do meu coração, a quem eu digo ser verbo de perfeita conjugação.

Voe

Talvez quando você deixar de ter pena de si mesmo, a sua vida caminhe. E aí, como vai ser? Você vai fazer sua escolha ou vai esperar acontecer. A vida não perdoa quem não sabe amar, a vida não perdoa quem não sabe viver. Você não pode dizer que oportunidades não lhe foram dadas. E, ora, se não foram, por que raios você não as criou? Até quando ficará a assistir a vida passar pelos seus olhos? Tolo! Se vai tentar, vá depressa. Se não, nem ensaie a tentativa. Deixe os riscos da vida para quem tem certeza do que quer. Tem horas que você se pergunta que caminho tomar, mas a verdade é que, se você não andar, não adianta saber a direção. Caminhe, homem, que destruir-te ninguém pode. Deixe de medo, incertezas. Ande, ame, faça, lute e deixe a vida te surpreender. Mais cedo ou mais tarde, ela vem. Sim, a poesia capaz de fazer a mais pesada das almas voar vem.

O amor


O amor não foi feito pra mim
Tudo que é eterno
Não é para dizer sim
Tudo que é eterno
É estável demais para mim

Mas o amor, ah o amor
Ele queima, arde e me enche de dor
Ele trai disfarçadamente
E me enche, me enche de dor
Esse tal de amor não foi feito pra mim

Inspira; Mói
Ensina; Dói
Brilha; Distrói
Mas é tudo suave demais
Mas é tudo excessivo demais
O amor é o cauz no cais

O amor não foi feito pra mim
Tudo que é eterno
Não é para dizer sim
Tudo que é eterno
É estável demais pra mim

Mas o amor, ah o amor
Ele é a certeza da incerteza
Eu sou canhota!
E deixo para os destros a destreza de amar

No amor, é morrer ou matar
Mas eu... eu desisto de lutar.

Não cumpri

"Agora minta, menina, dizendo que não pensa mais nele.", a voz saída do espelho embaçado dizia. Passei a mão na tentativa de achar um pouco de mim. Me vi ali, presa a uma lembrança que prometi que deixaria para trás. Essa é mais uma promessa que eu não vou cumprir. Ele estará sempre no meu presente como uma inspiração cristalizada, um personagem vivo das minhas histórias dançantes. Lembrarei sempre de cada conversa feita na tentativa desesperada de calar a voz da solidão. Bom, continuamos solitários, embora, agora, de forma diferente: é uma solidão acompanhada.
Estou aqui mais uma vez me enchendo das minhas tolices, acreditando no impossível, vivendo a insônia de pensar no proibido, chorando palavras em vão. Enlouquecidamente apaixonada com tudo o que fomos, com tudo que nunca poderemos ser. Me perco no vazio que ele deixou. O encontro aqui dentro de mim tão longe do meu alcance e penso que já apagamos as próximas dezenas de cenas que poderíamos ter escrevido juntos. Me olho no espelho e digo que não penso mais nele, pareço convicente. A minha mente mente, mas não se convence.

Vou tocar

Dó, Ré, Mi, Fá... Sol quente que me queima de vontade de ir Lá ver Si um acorde bem feito faz seu amor repousar em meu peito.

Eu gosto é de construir

O que vem fácil vai fácil, meu bem! Isso de amor à primeira vista... Se ama à primeira, se esquece à segunda.

Meu coração agradece

Paz? Não, estou desassossegada! E quero estar assim. Quero música alta. Gargalhada. Aventura. Paixão. Saudade desesperada. Frase incerta. Errar. Acertar. Perigo. Coragem. Quero o coração retumbando nos ouvidos. Pranto desvairado até a cara enrrugar. A boca nervosa. Os nervos pulando. Cair. Levantar. Aprender. Quero falar até o maxilar cansar. Abraço apertado. Pés surrados. Cheiro de mato. Eu quero poesia. Arritmia. Pessoas inteiras. Noite de estrelas. Alegria. Loucura. Eu quero uma vida sem censura.
Eu quero você.
Mais do que eu posso querer. Mais do que você pode oferecer. Mas eu quero. Eu quero sentir seu gosto. Cheiro. Toque. Eu quero te perder. Te achar. Passar a noite sem dormir te tendo aqui.
Paz?
Não!
Eu quero muito mais.

Alergia

- Só nós dois? Ma... Mas isso seria um encontro? - perguntei surpresa, desconcertada e corada.
- É! - ele disse inseguro - Seria um encontro.
- Nã...nã...nã... Não! Quer dizer, encontros terminam em beijos e beijos me dão alergia.
Ele me olhou espantado querendo sorrir. Eu continuei:
- É! Se algum dia eu beijar um cara eu vou empolar todinha e...
- Empolar?
- Isso! E aí eu vou ficar azul, e minha língua amarela. Não é uma combinação de cores muito boa com a minha pele, sabia? E aí eu vou inchar, e inchar, e inchar... até explodir. Isso! Uma alergia mortal à homens. Trágico, néh? Eu sei.
Ele levantou uma sombrancelha, fez uma cara séria, me olhou bem fundo e deu uma enorme gargalhada. Eu disse emburrada:
- Não é pra rir não! Estou falando muito sério!
- Ah! Desculpa. É (pigarro) é muito triste!
(risos)
Ele continuou:
- Mas falando sério... é sem pressão. Só quero te conhecer.
"Blá blá blá! Velho papo de homem", pensei.
- Tento me conhecer há 19 anos e até hoje não consegui. Acha que pode conseguir essa façanha em um jantar? Que audácia! - Disse me afastando, olhando-o e dando um sorriso de banda.

Dos sonhos


- Por que eu?
- O que? - ele retrucou preocupado como se tivesse perdido metade da conversa.
- Quer dizer, tem tanta gente nesse mundo. É estranho pensar que nos encontramos assim tão fácil, por um acaso. Porque eu sinto como se você fosse um pedaço meu perdido por aí que sempre existiu em mim, mas agora é palpável. Entende? Como é que aconteceu de duas almas se encontrarem tão perfeitamente?
Ele tirou os olhos do horizonte onde o céu se deitava nas montanhas, apertou minha mão e me olhou por um instante. Tanta paz, tanto amor. Como aquilo podia ser real? Meus olhos incrédulos ao cruzarem com os dele se faziam cheios de certeza de que nada poderia nos tirar um do outro. Éramos uma só alma, um só coração. Numa entrega natural. Sentíamos juntos, amávamos juntos. Tudo na mesma intensidade, numa sintonia sem igual.
- Como haveria de ser outra? Quem dividiria os sonhos comigo? Quem me faria essa explosão de sentimentos que só você me faz sentir?
- Isso não te assusta? Sei lá! Desde que te conheci, eu não consigo medir a minha entrega. Foge do meu controle te amar. Me assusta ser tão sua. Você me tem sem cobrar nada, sem pedir nada. Me dou quase que sem querer. E quando vejo, somos um. Aos poucos eu vou me construindo em ti e você em mim. Eu não seria a mesma sem ti. Nem lembro da minha vida sem você; porque, te conhecendo ou não, você sempre esteve aqui.
- Eu não sei como foi que aconteceu de sermos encaixes tão perfeitos. Mas agora que você está aqui, eu sei que nunca, nunca quero você longe. Tudo o que nossas almas construiram por si só é morada do nosso amor, é abrigo nosso. O que nos trouxe até aqui, as risadas, as lágrimas, as brigas, os desencontros, as fugidas, os medos vencidos e os que ainda persistem, tudo o que construiu isso que temos hoje - disse apertando ainda mais minha mão - serviu para me dar a certeza de que não há ninguém igual a ti. Ninguém me faria tão feliz, tão poeta bobo, tão vivo. Eu te amo! E tenho pensado bastante esses dias em todas as descrenças e mágoas que sumiram ao te conhecer e todas as certezas que brotaram. Não quero mais passar um dia sem você. - Ele se sentou, pegou um passarinho de origame do bolso e me estendeu - Se você aceitar, nós podemos oficializar o que já é real desde que nascemos; porque, se casar é se tornar um só, já o somos desde que chegamos a esse mundo. Esse é o milésimo.
Ele colocou o passarinho em minha mão fazendo cair dele um anel de noivado, o mais lindo que já vi. Meu coração acelerou, corei. Não sabia o que pensar. A vida toda em pesadelos, devaneios e medos de compromisso, mas com ele não. Era impossível temer, impossível fugir de algo maior, mais profundo. Nos pertencíamos, era a minha hora de assumir a tutela da minha existência, de dizer ao medo que ele não domina mais.
Ele continuou:
- Pra sempre um só?
Minha mente ficou um branco sem fim. De repente veio uma cena: eu deitada no tapete da sala branca, clara, num fim de tarde cantando um velho blues e ele tocando o piano ao meu lado. E assim seriam todos os dias, mesmo quando os ventos fortes soprassem, nós estaríamos ali no fim do dia. Juntos para sempre.
- Sim! - dei um pulo em cima dele caindo deitada face a face, sorri um sorriso de menina boba, sem acreditar que aquilo era real - Sim, sim, sim!

O amor é estranho

"Estranho isso das pessoas pensarem que eu sou forte e madura", pensei ouvindo-o falar, "minha vida sempre foi assim cheia de fortes emoções. Eu sempre tenho que saber de tudo que acontece ao meu redor e decidir o que fazer. Não há direito a ignorância?"
- Então, é isso. Seu irmão está roubando. Deve ser cleptomania, você acha que devemos contar para sua mãe? Ela pode morrer de desgosto!
"Cara!, o adulto é você. Decida! Por acaso está mais assustado que eu? Roubando? Qual é a do moleque? Quer acabar na cadeia aos 13 anos? Dá uma surra nele e deixe-o de castigo por 10 anos! Quem sabe aos 23 ele não vira gente.", foi o que eu pensei; mas, ao abrir a boca, o que saiu foi:
- Olha, esconder dos pais não é a melhor solução. Vamos sentar com ela, expor os fatos e decidir a melhor maneira de construir um melhor caráter no meu irmão. É um problema muito sério, mas há tempo de consertar.
Quando acho que vou desmoronar, é quando sou mais racional. Mesmo assim não gosto dessas situações extremas em que a vida sempre me colocou. Desde criança ter que ser adulta é um saco! E eu me pergunto "por quê? Por que elegeram à mim o adulto dessa história?"
...

A conversa com meu irmão não foi nada fácil. Ele negou, mentiu, não aceitou até que minha mãe o venceu pelo cansaço e pela sabedoria, e ele cedeu. Depois dela tentar achar a melhor maneira de enfrentar o problema, ela não se sentiu muito bem. Fomos para o hospital mais uma vez e não sei bem o que senti. Desgosto, raiva, tristeza. A vida assusta, é difícil viver. Quando você encontra situações como essa e não sabe como agir, não tem pra onde fugir, você se dá conta de que isso é viver. Olhar sempre para situações que não há a melhor maneira de sair, porque não se sai, não se esconde, não se foge. Apenas vive aquilo que um dia passa, ou não.
Já era tarde e minha mãe estava fraca, o médico achou melhor interná-la. Lá ficamos. Enquanto olhava-a as lágrimas doíam entaladas sem conseguir sair. Tão forte, tão frágil. Mulher guerreira, batalhadora, mãe. É estranho isso da sua felicidade ser totalmente ligada a uma pessoa. Em todas as boas lembranças, ela está lá. De uma forma ou de outra, ela está lá. Tão certo como a aurora, e tão linda quanto. E eu fiquei pensando sobre como nossa vida sempre foi sofrida e, contraditoriamente, feliz. Nunca deixamos de sorrir, dançar, cantar. Nunca desistimos de viver. Às vezes a gente passa a vida inteira romantizando os nossos sonhos, quando há romance por todo lado na nossa realidade. Minha vida não daria um conto de fadas, não passaria nem perto. Não mesmo! Mas daria um lindo romance. E eu tenho orgulho de quem sou e do que tenho. E quer saber? Não escolheria outra vida, nem mudaria nada dessa que tenho. Todas as desgraças são minhas, e todas as graças. É claro que enfrentar a doença do meu irmão não vai ser nada fácil, mas é estranho esse tal de amor. Você não ama alguém pelo que ele faz ou deixa de fazer, mas sim pelo que ele é. Tanto que meu amor pelo meu irmão não diminui nunca, nem quando ele apronta uma dessas. Se deixássemos de amar as pessoas pelo que elas fazem, não haveria amor. Todos nós temos as nossas doenças, se a cura fosse necessária para alcançar o amor, este não existiria. O amor não cresce ou diminui, ele simplesmente brota e fica lá eternamente puro e conservado. Por isso me pergunto "como direi um dia que amo um homem? será necessário casar e esperar a vida inteira pra saber se é amor ou paixão? como saber?". Vai saber! Estranho isso.
...

Depois da minha noite de insônia na cadeira mega confortável de um hospital, minha mãe acordou forte como um touro.
- Já passei por pior e não caí, não vai ser agora - disse radiante e decidida.
Dançamos cantando por aquele quarto de histórias tão tristes que logo se encheu da nossa alegria. Fomos para casa. E lá se foi mais um capítulo de nossas vidas. E lá se vinha outro...

Última estação

Parece que foi a ferrovia que partiu e eu fiquei aqui no vagão. O destino de partir era tão certo que algo tinha que ir. Como eu não consegui, tudo se foi. E eu estou no mesmo vagão vendo o tudo se transformar em miragem. É bonito. "A beleza que o partir deixa no sofrer", pensei. E tudo se foi...

Platônico

O chão não era chão, era mar. E nós andávamos por entre as velas que boiavam por todo o horizonte. Você estava lindo, e brilhava mais que a Lua. Tudo ali tinha o seu cheiro, não o cheiro do seu perfume, era o seu cheiro natural, aquele que só eu sinto. O cheiro do sentimento que você gera em mim. Haviam árvores que boiavam tão sem raízes como nós. Dividimos uma canção que ecoava por toda a infinitude daquele lugar surreal. E a música falava por si só dos nossos sentimentos, não era necessária nenhuma palavra; apenas uma melodia e alguns versos e tudo se ajeitava. Você se encantava mais com os meus olhos do que com a beleza do lugar. Arriscamos uns passinhos. Uma bailada e alguns sorrisos bem sinceros, você segurou minha mão sem me deixar ir. Toda a segurança de uma vida inteira em um momento. Eu não iria a lugar nehum, jamais. E então a luz veio trocar uns beijos com a escuridão, o silêncio a se declarar para o som. Todos os amores impossíveis, o lugar dos platônicos. E lá estávamos nós. Deus! eu te amei ainda mais sem saber que isso era possível.

Tropeçadora

Como nada em mim é contínuo, minha obra segue assim picotada, sem pontos, vírgulas ou palavras certas. Meus nervos se incomodam a medida que as pessoas me lêem sem nada entender. Deus, por que então criticam!? Se não sentem, por que insistem em tentar dominar?
Eu sempre fui uma boa tropeçadora. Sim, tropeçadora. Desde criança sempre tropecei em tudo que fui capaz. E nunca critiquei meus pés por serem desajeitados ou meu cérebro por ser desatento, porque eu sei que às vezes é necessário tropeçar para perceber a existência da pedra. E, assim, minha obra nasce dos meus desengoçados tropeções. Virtuosos somos nós, os tropeçadores que não deixam passar despercebida nenhuma fonte de arte!

A vida inteira que podia ter sido e não foi

- Ia embora sem falar comigo? - ele disse
- Falar o que? Despedidas são só despedidas.
- E essa é a nossa, não é?
Aproximou-se e o beijou. Ele apenas lhe disse:
- Podia ter feito isso antes.
- Você também. - de cabeça baixa, virou-se e foi indo esperando o "fica" que nunca ouviu.
Há quem diga que anos depois se encontraram e ele a perguntou "por que você se foi?" e ela lhe respondeu, sorrindo de cabeça baixa mexendo as mãos como sempre, "Você não me pediu para ficar".

Essa era só mais uma história do meu avô, ou deveria ser. Naquela noite eu o vi sair tirando uma antiga foto do bolso segurando uma lágrima, e percebi que até os mais sábios têm do que se arrepender.

Alma

- Você não sente isso quando pega no seu violão, na sua caneta, pincel, sei lá...? como se vocês passassem a ser um só, como se eles se tornassem a voz da sua alma e pudessem sentir tudo juntamente com você. E aquilo que começou como uma falta de ar se torna um suspiro. E você está livre, e nada mais importa no mundo! Você sabe que aquele milésimo de segundo que você sentiu tão levemente é eterno e todas as vezes que você precisar dele, estará ali guardado dentro de você. É só fechar os olhos e sentir... sua alma é eterna como ele. É uma pena o ser humano ser preso a esse corpo de barro; se fosse menos apegado, aprenderia a voar sem sair do chão. Quem precisa de asas quando se tem um coração!?
Aquelas palavras se voltaram para mim como uma flecha que acertara o alvo. Respirei fundo tentando oxigenar meus pensamentos. Inútil. Não conseguia entender como aquela menina via a lágrima que não tinha sido derramada, como via as mágoas que não eram externadas, como tinha tanta fé na arte, nas pessoas, como tinha tanta vida. Enquanto ela falava, era quase que palpável sua alma saindo do seu corpo. Flutuando levemente, ela ia embalando num vento e outro. E seguia o ritmo que lhe era imposto pela natureza sem medo, sem questionar. Apenas ia.

Muros

"Não te espantes quando o mundo amanhecer irreconhecível". Pois isso acontecerá diversas vezes e será recíproco. Quando não reconhecer o mundo onde está, reflita um pouco sobre quem você tem sido. Se reconhecer a si próprio, ficará mais forte cada vez que isso acontecer. Agora, se o mundo não te reconhecer, provavelmente você estará certo em ser quem é. Porque o mundo é vão, mas a linda loucura está em ti. Só tomes cuidado, pois há verdades que estão tão entranhadas em nós que passam a ser mentiras. A dúvida é um passo largo na evolução. Cada vez que uma pergunta própria é respondida, uma barreira no conhecimento da própria alma é rompida.

O que de mais puro eu já senti

Quando eu olho só para você, eu sinto carinho, ternura, bem querer. É como se eu pudesse ficar o dia inteiro de mãos dadas contigo, te vendo sorrir, sem pensar em mais nada. Só na tua beleza. É uma mansidão de sentimentos, um abismo na barriga, um nervoso no falar, uma falta de ar, um abrigo. Dizem que isso é o tal do amor seguro, daqueles que fazem bodas de ouro. Te faz pensar num campo verde, fresco no fim da tarde. É leve, é doce. Não é como a paixão que te leva a uma euforia traiçoeira. Não é isso que eu sinto por você. O que eu sinto vai muito além! Começa no olhar, no ouvir tua voz passeando em minha mente, no teu jeito de falar, no tocar das mãos. É certo que percorre todo o corpo, mas não acaba ali na carnalidade. Quando nossos corpos ensaiam ser um só, nossas almas já o são. Não sei que sentimento é esse, ou onde poderia nos levar, mas eu sei que ele está aqui quando olho só para você. Mas quando olho a nossa volta, seria como casar duas culturas quase que opostas! Como um sentimento tão suave seria forte o suficiente para nos manter juntos com todos os contras? E eu fico com tanto medo de isso ser passageiro. Há de se guardar a amizade que é de plena eternidade. Com tanto medo como eu poderia dizer que estaria sempre aqui? Ah... eu queria ser melhor para ser sua. Como aconteceu desse coração se tornar tão seu? Como você, uma brisa tão leve de verão, arrastou todo o meu mundo para ti? Eu não seria a mesma sem você. Não, não existiria um eu assim como sou se você não me aparecesse. Você é minha poesia mais linda, é o que alimenta minha alma. E quando tudo isso acabar, espero reaprender a andar sozinha. Você me ensinou a amar e sobre como o amor pode ser leve, e agora tem me ensinado a viver. E nada disso é efêmero como nossas promessas.
"Esse sentimento é eterno néh!?"
"É! Costumam chamar de amor"
Vou te levar para sempre, onde quer que eu for. Você é minha melodia, meu melhor amigo. E às vezes sinto que nem te conheço, às vezes acho que você nem é real. Não sei se é porque nos vemos tão pouco. Você não faz parte da minha vida, mas faz parte de quem eu sou. Como isso pode ser possível? Como alguém pode conhecer os meus segredos mas não saber meu prato preferido? Tudo o que eu sei é que eu seria pouco para ti. És tão lindo no amar, tão certo no se entregar; e eu tão medrosa, tão cheia de incertezas! Como há de conseguir amar um dia? Eu não queria te fazer mal com as minhas confusões, meus traumas, meus devaneios, minha sede de mudança. Odiaria te envolver nisso. Nós somos tão diferentes! Como aconteceu de duas almas assim se encontrarem tão perfeitamente!? Mas quem poderia imaginar que nessa vida o nosso único encontro seria o das almas; e todos os outros, desencontros perdidos no tempo passado, presente e futuro.

Coisa de gente apaixonada...

- Você acha que eu deveria ligar? - roendo as unhas, quase comendo os dedos.
- Demorou! Liga.
- Não vou conseguir.
- Los Hermanos estão dizendo...
"Eu sei, é o amor que ninguém mais vê"
- To nervosa, meu coração acelerou. Que que isso, hein? Que grande besteira!
- Tá apaixonadaaa!
- NÃO fale essa palavra! Claro que não, menina! Tá doida!? JAMAIS!
- Está sim. - Olhando por cima do óculos com um olhar acusador.
- Que eu faço?
- Pula.
- Isso!
Começou a pular. E cantava. E dançava. Em uma perna, balançando os braços, jogando o cabelo, girando. Se sentiu o Padre Marcelo Rossi. Risos, gargalhadas.
- Melhorou?
- Ah... Bem melhor! Vou ligar. Um, dois... Já era! Foi.
Desespero. Medo, talvez...
"Sua ligação está sendo encaminhada para a caixa postal..."
- Droga! Caixa postal...
Pulou algumas vezes caindo com força no chão resmungando:
- Droga, droga, droga!

insônia, por favor.

Canto para mim qualquer coisa que me mantenha acordada. Aceito qualquer droga que me roube o sono, qualquer coisa é válida: um café, um chá, um violão.
O importante é me manter longe dos sonhos.

Você está aí?

(Toc Toc Toc)
- Você está aí? - a menina perguntou ao coração.
- Oras! E onde haveria de estar?
- Não sei, mas é que às vezes não te sinto...

Contadora de histórias

Uma contadora de histórias. Nunca fui nada mais que isso. Conto. Conto histórias para fugir, moldar e esconder a dor. Conto histórias para espantar o amor. Minhas rimas são previsíveis e quase sempre invisíveis. Aumento pontos, omito outros. Tudo para construir com perfeição algo que me renda um sorriso e um perdão. Se necessário invento, crio. Mas na maior parte são fatos, não há o que acrescentar. A história se faz por si só. Os vilões são homens bons sendo maus, os moçinhos são homens maus sendo bons. Quando os anos se mostram no espelho, as personagens se tornam todas iguais. Há personagens que ganham tanta vida, que acabam por sair da minha mente para andar por aí. De vez em quando encontro uma ou outra vindo do outro lado da rua para me cumprimentar. Algumas ousam me contar a história que têm construído sozinhas a vagar. Outras já morreram, outras nunca morrerão.
Acham que sou louca. Pode ser, quem sabe? Tenho mil mundos. Um chega a ser quase perfeito, o outro é a realidade - deixa subentendido o inferno que se faz aqui. Hoje eu queria encontrar alguma personagem, mas elas são como velhos amigos de escola que você encontra já casado e com filhos numa fila de supermercado quando menos espera, e aquele velho amigo lhe seria um estranho se algo lá da infância não lhe dissesse ao pé do ouvido que no fundo vocês ainda são os mesmos. Assim é tudo que construímos aqui: depois de construído não é mais seu. Depois que coloco no papel, nenhuma palavra é minha, nenhuma personagem é minha. E nem quero que seja! Elas têm vida própria e têm mais é que viver. E em cada esquina que houver uma delas, saberei que há um pedaço meu ali me eternizando em lugares onde eu nunca estive.

Birra


Hoje meu coração não quer bater
Se recusou, simplesmente.
Não quer
Falou-me com arrogância que se recusava a bater por bater
Somente para manter vivo alguém que não sabe viver.

Faceta do avesso

Eu estava ali.
Em nehum outro lugar,
E sim ali
Então deitei
Acendi um cigarro que nunca fumei
E pensei sobre mim e os homens que nunca amei.

Que nada sinto

O que, de resto, não é dor
É amor.
E o que não é nem um nem outro,
Sou eu...

Sem vontade de escrever

Não tinha vontade de escrever há muito. Pensou que talvez se caminhasse um pouco a vontade tornaria a mover as palavras dentro dela. Caminhou. Era noite, sempre noite em seus pensamentos. E até a lua dormia em paz. Não é que ela estivesse sem paz, mas era uma paz perturbada, sabe? Dessas que não a deixava se conformar com o mundo dentro de si. A vida estava bem, ela estava bem. Mas havia algo mais profundamente ligado à ela que não se aquietava.

Não sei se você, leitor, entende. Mas há silêncio que ensurdesse, alimento que não sacia e paz que perturba.

Então ela caminhava sem nada que a prendesse. Não tinha lembranças, não tinha objetivos, não tinha sequer uma música dançando nela. Às vezes a vida te dar essa honra de ficar a sós com sua própria essência. A maneira como você lida com isso diz muito sobre você. No caso dela, não reagia com sorrisos, lágrimas ou qualquer outra emoção. Apenas caminhava com os dedinhos tocando o vento fresco. Tentava recuperar algo de sua mente que a fizesse construir um pensamento, mas não havia nada. Absolutamente.
Sentou-se. Finalmente a mente voltou a funcionar. "Dizem por aí que a vida é cíclica", ela pensou. "Em que ponto eu estou então? E quando eu voltar para o ponto de partida, eu nascerei novamente? Se bem que eu já nasci tantas vezes, devo já ter completado esse ciclo diversas vezes e nem percebi". Sem saber como concluir esse pensamento apenas observou as pessoas passando o resto da noite até que a rua ficasse deserta como a sua mente estava. Então voltou pra casa do mesmo jeito que saíra: sem vontade de escrever.